Relatos de uma jornalista universitária

Por Amanda Tavares

Há cerca de um mês, nossa empresa cogitou o credenciamento para os shows do U2 no Brasil. Eu, empolgada com a idéia de cobrir um evento grande – e de música, que é minha área favorita –, comecei a providenciar todos os recursos ao meu alcance. Enviei e-mails para a assessoria de imprensa, organizei o plano de cobertura da Jornal Júnior, testei nossos equipamentos fotográficos... Mas a credencial não veio.

De início, fiquei desapontada. Apesar de saber que o evento era realmente grande e que ainda sou muito inexperiente, achei que receberia um voto de confiança. Sustentei uma esperança baseada na nossa idéia de pauta: queríamos cobrir os bastidores do evento, mostrando como um jornalista trabalha numa situação tão grande e complexa. A proposta era fazer uma cobertura com textos, fotos, um videoblog... Enfim, algo interessante e diferente.

Minha frustração permaneceu até o dia 10, quando fui ao segundo show da banda com meu pai e minha irmã. Aguardando na fila, assim como (quase) todos os outros 89 mil pagantes, fui abordada por uma voluntária da Anistia Internacional. Ela me explicou brevemente o projeto, perguntou se eu gostaria de ajudar nos protestos brasileiros e recolheu meus dados e minha assinatura.

Assim que entrei no estádio, fiquei procurando por outros membros da organização, mas não vi nada. Tudo o que encontrei foram camarotes de grandes empresas, destinados a “famosos” da mídia que deram a sorte de assistir ao espetáculo de graça. Apesar de serem apoiados pela própria banda a se apresentar, não vi nenhum integrante do projeto com credencial para divulgá-lo no lugar do show. Por um lado, fiquei aliviada por não ser a única a fazer meu trabalho sem privilégios; por outro, fiquei indignada com a situação daqueles voluntários.

Com a apresentação do U2, minha cabeça espaireceu. Curti o show, mas meu coração apertou quando Bono citou a Anistia Internacional num de seus discursos ao público. Ele pedia que os fãs o apoiassem no projeto, mas eu só conseguia pensar em como aqueles voluntários estariam felizes se pudessem ouvir aquilo de dentro do estádio.

De volta à minha casa, escrevi minha matéria no dia seguinte e praticamente esqueci da credencial negada. Infelizmente, a frustração voltou quando conferi a cobertura que alguns sites famosos fizeram da apresentação.

Matérias que misturaram os dois dias de show, errando setlists e conversas entre a banda e os fãs foram as mais comuns. Num dos portais de grande divulgação no país, vi uma jornalista deixando o gosto musical transparecer e misturando apuração com opinião. Ela criticava o U2 de maneira raramente sutil, deixando de respeitar uma banda que tem mais de trinta anos de carreira e a aprovação de um público fiel.

Mas o pior foi quando li uma matéria, que já não havia feito uma cobertura muito boa, com um parágrafo inteiro dedicado a comentar a vida sexual de Bono. O autor, num trecho infeliz, fala sobre quantas mulheres o vocalista já “comeu”, empregando exatamente essas palavras e ignorando totalmente o fato de que o homem é casado e defende seus princípios católicos com muito fervor. No mesmo texto, o jornalista ainda erra o nome de uma das músicas e fala sobre vaias ao governador paulista Geraldo Alckmin, quando na verdade o ocorrido foi uma piada que recebeu aplausos e risadas do público. E tudo isso num dos portais mais visitados do Brasil.

Prefiro acreditar que esses profissionais não cobriram o show com credencial, mas que fizeram seu trabalho assim como eu fiz o meu. Longe de mim criticar a aptidão de cada jornalista ou a maneira como as empresas organizam seus eventos: minha indignação se dirige à situação como um todo.

Não sou ninguém para julgar quem merece ou não assistir ao show gratuitamente. Apenas fico decepcionada ao pensar nos voluntários que fizeram seu trabalho de apoio à banda sem nenhum suporte, ou nos outros jornalistas que, assim como eu, não puderam escrever seus textos pela falta de privilégios. Se essas pessoas recebessem a credibilidade que merecem, a Anistia Internacional teria recebido mais atenção e a cobertura do show poderia ter recebido outras visões.



0 comentários:

Postar um comentário